Gutman difamado, perde o controle da Fecomércio
O desgaste provocado por tantas denúncias e escândalos, põe fim a 49 anos de controle de Gutman sobre a Fecomércio e ele ameaça: “se me tirarem do Sesc, denuncio tudo que sei”
Marcelo Paranhos
O homem forte da Fecomércio, Gutman Uchôa de Mendonça, perdeu poder e prestígio. A comprovação do “início do fim” se deu na tarde de sexta-feira, 8 de abril de 2022. O presidente da Fecomércio, José Lino reuniu o conselho e informou que não disputaria a eleição, abrindo espaço para outro integrante do conselho ser o presidente. Como prêmio de consolação, uma espécie de “saída por cima”, José Lino deve assumir a vaga da Fecomércio no conselho da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) e se tornar presidente de honra da Fecomércio. Como condição para entregar o cargo, José Lino exigiu que Claudio Sipolatti também desistisse de disputar a vaga de presidente e que um nome de consenso fosse escolhido.
A história mudou
Incapazes de enxergar ou admitir que a decisão é um marco histórico na Fecomércio, os integrantes do conselho chegaram a um nome de consenso para disputar a eleição a presidente. Idalberto Luiz Moro, presidente do Sincades (Sindicato de empresas atacadistas e de distribuição do Espírito Santo), vai encabeçar a chapa única, tendo os empresários Luiz Coelho Coutinho, Carlos Sipolatti e José Bergamin para a 1ª, 2ª e 3ª vice-presidências, respectivamente, como antecipou o ES HOJE.
Como era antes
A Fecomércio teve como presidente apenas três representantes dos sindicatos filiados: Antônio José Domingues de Oliveira Santos, Hamilton Azevedo Rebello e José Lino Sepulcri. Os mandatos se sucediam e a reeleição era feita através do mensageiro, também conhecido como entregador ou motoboy. Funcionava assim: O conselheiro e “homem forte” da Fecomércio, Gutman Uchôa de Mendonça decidia quem seria o presidente e enviava um ofício com a composição da chapa aos presidentes dos sindicatos filiados para que fosse assinado e arquivado. “Nem um telefonema recebíamos”, contou um dos 22 conselheiros com direito ao voto. Gutman, que mandava e desmandava na Fecomércio, ocupava a direção geral do Sesc no Espírito Santo desde que foi afastado da SUPPIN por suspeita de corrupção. Essa informação esta registrada no congresso nacional desde 05 de julho de 2004. “Ora, Sr. Presidente, até parece um filme tudo isso que agora narro para os nobres colegas; (…). Depois das denúncias de Perly Cipriano, outros Deputados como João Carlos Coser, Ângelo Moschen e Paulo Hartung também fizeram denúncias sobre os desmandos na SUPPIN. (…). Outro ponto que vale a pena frisar de acordo com os levantamentos de Ubervalter é o que diz respeito ao nepotismo praticado por Gutman Uchôa de Mendonça, pois mais de 40 parentes e agregados foram listados em cargos públicos por comerciantes insatisfeitos com a referida prática, (…) A rede de parentes alocados em áreas estratégicas garante o perfeito controle do sistema, dificultando ainda mais ações externas que venham a comprovar toda a teia que se esconde por trás de simples cabides de empregos”, discursou o então deputado federal Carlos Manato no plenário da Câmara Federal, em documento que pode ser encontrado nos arquivos da Câmara (Leia o discurso na íntegra).
A queda do homem forte da Fecomércio
O descontentamento entre alguns conselheiros sempre preteridos por Gutman na hora das decisões era real. Mas, nenhum conselheiro, em 49 anos, teve coragem suficiente para enfrentar Gutman Uchôa de Mendonça. Como coiotes famintos, aguardavam o momento certo de “devorar a presa”.
Em 25 de fevereiro de 2022, um vídeo publicado no site de notícias Realidade Capixaba acendeu uma luz de alerta. Com o titulo “Diretor do Sesc se relaciona com crime organizado em Guarapari“, o vídeo apresentou a informação de que Gutman Uchôa de Mendonça tinha envolvimento íntimo com o empresário Valdecir Nunes, acusado pela Polícia Civil de ser o mandante do assassinato de outro empresário, Thiago Nossa. O motivo do assassinato: Thiago estava negociando um acordo de delação premiada como forma de evitar uma eventual prisão por participar, junto com Valdecir, de uma quadrilha que desvia recursos da prefeitura de Guarapari através de licitações direcionadas e obras superfaturadas.
Qual o envolvimento de Gutman no assassinato de Thiago?
Se Gutman teve participação ou não na decisão de assassinar Thiago Nossa, só o empreiteiro Valdecir poderá revelar. Mas, o que se sabe é que Valdecir expandiu sua parceria com Thiago Nossa ao levar a empresa JM, de propriedade de Thiago, para prestar serviço ao Sesc. Thiago participou da obra do Sesc de Domingo Martins, isso comprovado pelo site Realidade capixaba em 25 de fevereiro de 2022 através de outro vídeo com o titulo “Diretor do Sesc se relaciona com crime organizado em Guarapari“.
Pressionado pelas reportagens que causaram grande repercussão na cidade de Guarapari, Thiago Nossa foi ouvido pelo Ministério Público e sinalizou que desejava colaborar com as investigações que correm em segredo de justiça há mais de um ano.
Thiago iria colaborar e essa informação chegou ao conhecimento do empresário Valdecir, que em novembro de 2021, não possuía mais “afinidade” com Thiago. O motivo que levou Valdecir a encomendar o assassinato, segundo a Polícia Civil, foi uma discussão entre os dois por recursos oriundos da obra do novo Mercado do Agricultor em Guarapari. Essa informação também foi divulgada no dia 21 de dezembro de 2021, com exclusividade pelo Realidade Capixaba através de um áudio obtido com uma fonte, no qual Thiago reclama da divisão de lucros (Mercado do Agricultor: Novo áudio de empresário assassinado revela sócio oculto e briga por lucro).
Mas, outros dois fatos confirmados por fontes, comprovam que esse não foi o único motivo. Valdecir e Thiago também discutiram sobre obras do Sesc, o que levou ao episódio em que Thiago teria ameaçado Gutman Uchôa de Mendonça de delatar o “esquema” caso não recebesse pelo serviço prestado. A dívida, a discussão com Gutman e a possibilidade de Thiago fazer um acordo de delação premiada levaram o empreiteiro Valdecir Nunes a decidir pelo assassinato de Thiago, encomendando a morte através do capataz Valmir dos Santos que contratou dois pistoleiros para executarem o crime.
Em 11 de novembro de 2021, Thiago Nossa foi assassinado a tiros em seu escritório. Após o crime, as imagens do escritório de Thiago foram divulgadas em 13 de março de 2022 na matéria “Denúncias de corrupção em Guarapari provocam mudanças na Fecomércio“, com autorização da família, que estava indignada por Valdecir, preso pela Polícia Civil, ser solto por decisão do juiz Eliezer Mattos Junior, da 1ª vara criminal de Guarapari. Um outdoor, pago por amigos, foi colocado na Av. Paris, não por ironia, local onde funcionava o escritório de Thiago e um terreno do Sesc, denunciado por uma fonte à equipe do Realidade Capixaba como um dos motivos do assassinato de Thiago.
O terreno do Sesc
Em 30 de agosto de 2011, o Sesc adquiriu um terreno em Santa Rosa, Guarapari, com o objetivo de construir ali um estacionamento para ônibus. A justificativa usada pelo Sesc para a compra foi que Guarapari não possuía uma área regularizada para estacionar ônibus e que a área do Sesc de Guarapari não comportava todos os veículos de usuários que recebia. 10 anos depois, em 2021, o diretor Geral do Sesc, Gutman Uchôa de Mendonça resolveu que era hora de se desfazer da área. O motivo alegado? Nenhum. Gutman não explicava suas decisões.
Uma fonte enviou uma mensagem de texto com um print da página do Sesc sobre a venda desta área e escreveu: “se investigar vai entender o que aconteceu”. Em posse dessa informação, procuramos uma fonte do Sesc que disse: “Esse terreno está sendo vendido por Gutman ao assassino de Thiago. Vão vender abaixo do preço de mercado e ali será construído um condomínio de prédios.” Essa informação foi confirmada com outras duas fontes e publicada pelo Realidade Capixaba em 08 de março de 2021, com o título “Prefeitura muda PDM para beneficiar diretor do Sesc e empresários“. A matéria ganhou repercussão entre os conselheiros da Fecomércio que resolveram utilizar essa denúncia como motivo para pressionar o presidente da Federação, José Lino Sepulcri, a marcar uma reunião do conselho para o dia 09 de março de 2022. Essa reunião foi divulgada em primeira mão pelo ES Hoje em 07 de março (Novos rumos da Fecomércio do Espírito Santo começam a ser definidos dia 9) e também confirmada pelo Realidade Capixaba (Fecomércio convoca conselho para apurar denúncias que envolvem o Sesc).
A lista de Gutman
Como de costume, Gutman Uchôa de Mendonça se recusou a dar explicações aos conselheiros, e se limitou a dizer que a questão seria resolvida na justiça. Gutman entrou com um pedido de censura contra o jornalista Marcelo Paranhos, autor dos vídeos com as denúncias, e contra a site Realidade Capixaba, que divulgou dois vídeos sobre o pedido em 01 de abril de 2022 (Diretor do Sesc pede que Justiça censure o site Realidade Capixaba) e em 07 de abril de 2022 (Justiça censura vídeos com denúncias contra diretor do Sesc).
Durante a reunião na Fecomércio, Gutman apresentou uma lista para prorrogação do mandato de José Lino. Nesse momento, alguns conselheiros se recusaram a assinar, exigindo mudanças na forma como o processo era conduzido. Entre as exigências estavam: contratação de técnicos para cargos estratégicos, eleições a cada quatro anos sem direito a reeleição e mais transparência na administração do Sesc e do Senac.
Em 09 de março de 2022, enquanto ocorria a reunião, outro vídeo foi divulgado pelo Realidade Capixaba com denúncias contra o diretor do Senac Dionísio Corteletti. Na denúncia, funcionários do Senac acusavam Dionísio de racismo, homofobia e machismo. Dionísio é afilhado de Gutman e as denúncias, que já eram de conhecimento de José Lino, foram arquivadas sem que uma investigação fosse feita (Funcionários do Senac denunciam diretor por racismo e homofobia).
Foi nessa reunião que Gutman Uchôa de Mendonça, que comandava a Fecomércio há 49 anos, começou a perder prestígio. O presidente José Lino, muito pressionado, aceitou convocar eleições, fato inédito na instituição. Pela primeira vez, um presidente seria escolhido pelo voto e não pela lista de Gutman.
Eleições marcadas e o fim do coronelismo
A eleição na Fecomércio está prevista para acontecer entre os dias 29 de abril a 23 de maio de 2022. A pressão sobre José Lino aumentou e o então presidente da Fecomércio resolveu convocar uma reunião extraordinária do conselho a ser realizada em dia 8 de abril, para evitar uma derrota que já parecia eminente. De acordo com a convocação, os interessados em disputar a presidência deveriam apresentar uma chapa até 11 de abril. O empresário Cláudio Sipolatti resolveu apresentar o nome para concorrer contra José Lino. A informação, também divulgada com exclusividade pelo ES HOJE causou reboliço no mercado empresarial (José Lino tenta, novamente, evitar disputa no comando da Fecomércio-ES).
Bastidores da reunião de 8 de abril de 2022
Surpreendido com a decisão de José Lino de desistir da disputa à reeleição, Gutman Uchôa de Mendonça acusou José Lino de traição. Tensa, a reunião teve momentos quentes. Inconformado com o andamento, Gutman dizia que uma tradição não poderia ser quebrada assim. Antes de desistir da disputa, José Lino tentou um consenso. Na proposta que foi rejeitada, José Lino seria reeleito para o primeiro mandato da nova fase da Fecomércio e renunciaria em dois anos, abrindo espaço para outro grupo assumir. Ciente que não conseguiria convencer a oposição, ele desistiu de disputar, mas exigiu que fosse encontrado um nome de consenso e que a eleição tivesse chapa única, como forma de passar para a sociedade que a Fecomércio tem unidade. Para evitar maiores desgastes, a chapa registrada traz Idalberto Luiz Moro como presidente e os empresários Carlos Sipolatti, Luiz Coelho Coutinho e Eliomar Cesar Avancini para a 1ª, 2ª e 3ª vice-presidências, respectivamente. Assim, José Lino sairá da presidência depois de 16 anos, em 23 de maio.
O 8 de abril de Gutman
Ainda incrédulo de que mudanças aconteceriam, Gutman Uchôa de Mendonça entrou na Fecomércio com a arrogância de sempre. Certo de que ninguém o enfrentaria, o que ficou claro depois de publicar um artigo se vangloriando por se vingar de seus opositores. Gutman foi tomado pela realidade quando percebeu que não faria mais parte da Fecomércio.
Depois de 49 anos, Gutman Uchôa de Mendonça não tem mais voz nas decisões da instituição e perdeu sua cadeira no conselho. De “homem forte” da Fecomércio, Gutman Uchôa de Mendonça saiu da reunião ciente que seria apenas um funcionário do Sesc. A partir de 23 de maio de 2022, Gutman se tornará igual aos muitos funcionários do Sesc que trabalharam no sistema.
Percebendo que também poderia perder o comando do Sesc depois da eleição e posse do novo presidente, Gutman, como um animal acuado, esbravejou na reunião: “Se me tirarem do Sesc denuncio tudo que sei”.
O que sabe Gutman?
“Muito”. Essa foi a resposta de um conselheiro a essa pergunta. Em 49 anos de Sesc e de Fecomércio, Gutman Uchôa de Mendonça coleciona histórias e fatos. Se tem algo a dizer e se terá coragem para dizer, pelo visto, teremos que esperar a posse do novo presidente, que já começa sob pressão. Se o novo presidente não tiver coragem de tirar Gutman Uchôa de Mendonça do comando do Sesc, pode ter seu mandato manchado na largada, por manter, debaixo do tapete, os fatos denunciados pelos muitos funcionários anônimos do Sesc e do Senac.
Racismo, homofobia e machismo são algumas das denúncias dos funcionários do Senac contra Dionísio Corteletti. Corrupção, trabalho análogo ao escravo e um possível envolvimento no assassinato do empresário Thiago Nossa são algumas das denúncias feitas por funcionários do Sesc contra Gutman Uchôa de Mendonça.
O novo presidente da Fecomércio vai precisar decidir se termina o período de coronelismo na Fecomércio e aposta na transparência e meritocracia como marcas de sua gestão, ou se sucumbe ao poder de Gutman.
E a bravata de Gutman?
Em 23 de maio de 2022, vamos descobrir se Gutman possui essa munição toda ou se não passam de bravatas de quem não aceita as mudanças que o tempo impõem. Talvez, Gutman resolva fazer uso do anonimato para divulgar suas informações. Com a palavra, ou não, Gutman Uchôa de Mendonça, o último coronel capixaba.