Nas tardes de verão
Ah! isso tem muito tempo! Eu era criança e os rapazes e os homens se reuniam nas tardinhas quentes de verão para conversar do andamento das plantações. Nessa época os milharais das encostas dos vales do Perdido esperavam a segunda e última capina. Poderia até vir uma terceira. A maior vergonha dos colonos seria chegar o Natal sem ter terminado a limpa. Dizia-se: “Eh! o galo vai cantar na roça del Tonho” ou de quem quer que fosse. Falavam também, nessas bocas-da-noite, de outras notícias que corriam a colônia.
Numa dessas tardes já escurecendo – bem me lembro – esgotados os comentários, o Bepe Cupin saiu-se com essa: Que é o que é que cai em pé e corre deitado? Essa é antiga, diziam, é do tempo do nonno: a chuva – em coro era respondido. – Só sei dizer que a noite foi motivada com “o que é que é”, com adivinhações transmitidas de geração em geração. Algumas atualizadas de uns dez anos atrás. Também as crianças tinham o costume de brincar de adivinhar e conheciam as mesmas perguntas e respostas dos homens.
O vecchio Scarpon tinha ido à cozinha tomar o resto do último café coado e voltou com essa: que é o que é que entra na casa e fica com a cabeça de fora? Num instante: o botão. Esta agora é difícil – declarou il Bastián: Uma casa bem-feita, com quatro esteios e uma telha só, o que é que é? – Vi um no caminho, perto da porteira na boca-da-mata, que correu e entrou no buraco: Tatu. E, ora um ora outro, continuaram: O que é o que é que anda com os pés na cabeça? … ! Que é o que é que, joga pra cima é prata, cai no chão é ouro? …! … que está no meio do rio e não se molha?…! E por aí afora…
As mulheres da cozinha foram minguando a conversa e assuntando as brincadeiras dos homens na sala. Aí a bela Teodolinda levou o café fresquinho, as canequinhas e o bule de esmalte, servindo a todos; no terreiro as crianças brincavam de esconder. Eram a maioria. A noite avançava mal aclarada por uma lâmpada elétrica quase morta. Só sei que começaram as adivinhações mais apimentadas: O que é que a mulher tem no meio da perna? – O joelho …! De vez, as mulheres pararam o papo… e os homens continuaram com umas mais quentes que outras. Alguém chegou a se afastar. Quase calado até então, o Isidoro, há pouco chegado do exército no Rio, veio com uma pra pôr todo mundo pra dormir: Minha gente – começou ele – essa não é indecente: Minha gente, vamos fazer aquilo que Deus consente, ajuntar pelo com pelo e deixar o pelado dentro – e não é indecente…. o que é? A casa veio abaixo! Das mulheres umas ficaram sem jeito, as moças, vermelhas. A Carmelina, minha irmã mais velha, saiu gritando lá da cozinha: Seus cavalões, vocês não têm vergonha na cara, não? Nós somos mulheres e estamos ouvindo tudo. O Isidoro com aquela cara de-inocente-pra-besta, logo foi respondendo: É dormir, suas bobas; (ajuntar os cílios e deixar o bago do olho dentro… kkkkk…, é fechar os olhos… kkk…!). Mamma mia!!!
Eu logo vi que essa não era da tradição paulina do Perdido; certamente o Isidoro ou alguma patente do exército lera o romance “Macunaíma” (1928), de Mário de Andrade, e contava esse papo do herói Macunaíma e a Cei, para os companheiros de farda. Chegou até a nosso querido São Paulo do Rio Perdido. Mamma mia! …