ColunistasFrei José Corteletti

Bangu Futebol Club

Até hoje, no mesmo recanto, no mesmo campo, vive o Bangu Futebol Club de Itanhanga, com seus 100 anos de existência. Grandes craques da região se fizeram ali. Trabalhar de segunda a sábado e jogar aos domingos. Os treinos individuais eram nos terreiros das próprias casas, com bola de meia velha ou limão ou mesmo um pedaço de sabugo, realizados com crianças, adolescentes e vizinhos, depois da jornada na roça. No Bangu Futebol Club havia organização: presidente, tesoureiro, secretário e técnico. Os confrontos, que não eram constantes, se davam com os times existentes da região: O Santa Bárbara do Cazuza Bonfim (Barra do Perdido), o da Granja dos Pretti, em Patrimônio dos Polacos (hoje Santo Antônio do Canaã), Boa Família (hoje Itaguaçu), Figueira (atual Itarana) e Praça Oito, na raiz da serra do Limoeiro. Lembrem-se que não havia estrada de rodagem e o mais próximo, a oito quilômetros distante. Isso nos primeiros tempos. O presidente do time enviava o ofício escrito pelo secretário, a lápis ou a tinta com pena “12”, em um pedaço de papel que fosse, marcando o dia do jogo. Oficial e solenemente o portador, a pé ou a cavalo, levava a missiva ao presidente do outro time que aceitava prontamente. Limpar e retirar os grossos cocôs frescos ou secos do gado e, com enxada, marcar o campo era tarefa dos atletas e familiares, sem se esquecer de aprumar e fixar bem as traves que serviam também para os bois e burros se coçarem durante a semana. Mamma mia!…

desenho-futebol Bangu Futebol Club

A nomenclatura puxava a conhecida no mundo da bola incipiente: em inglês, pronunciado ao modo da colônia; pois foram os ingleses que trouxeram o futebol para nós. A pronúncia saia do jeito que vinha na boca do colono. Time (Mário Coser pronunciava téam): Quipa (goleiro ou arqueiro); beque direito e beque esquerdo (os dois da defesa); na linha média tínhamos o alfo direito, o center-alfo e o alfo esquerdo; na linha de cinco atacantes sobressaia o cente-fór (centro avante). O cente-fór e o center-alfo podiam correr o campo inteiro e os demais jogadores eram limitados a suas posições quanto ao lado e trecho do campo. Além das posições dos jogadores, em inglês também fatos e funções dentro de campo; por exemplo: primeiro fitame e segundo fitame (1º tempo e 2º tempo); réfi (juiz); rénd (mão) fau (falta); ofissaide (banheira ou lateral) e o córni, córnete ou córnere (escanteio); a bola oficial era chamada de couraça (bola de couro) que se compunha de quatro peças: a couraça propriamente dita, a câmara de ar com pisto longo uns cinco centímetros, o manchão (pedaço de sola) e um cadarço de couro para costurar a abertura da couraça, por onde se escondia o pisto debaixo do manchão. Durante o jogo era comum furar a bola em cerca de arame farpado ou até mesmo numa moita de espinheiro. Uma bola dessas aturava até mais de ano, pois se faziam reparos tanto na couraça como na câmara de ar, até que desse. A bomba de encher a bola era indispensável. Bola, bomba, gorro, camisas, tudo era comprado em vaquinha pelos jogadores e organizada pelo tesoureiro. O calção pertencia ao jogador. As modalidades do chute tinham nome: bicudo (bicuda), barroso e tamandaré; jogadas: xale, meia-lua, puxeta e puxada, a bicicleta não tinha nome; era uma puxada perigosa. Servia de apito o pio de nhambu-capoeira. O auge do jogo era o goal (Mario Coser), confirmado pelo réfi com trinados festivos de apito; pra nós era gritado com força e entusiasmo: goro, golo, gôooo!

Normalmente aos domingos,o time fazia o coletivo entre solteiros e casados, os de camisa e os sem camisa; alguns de calça arregaçada, sinal que andavam desprevenidas as intimidades, pois usava-se calção ou samba-canção – sim, jogava-se também de cueca samba-canção – e um ou outro, de lenço amarrado na cabeça. Calças e apetrechos eram despojados à beira do campo. Os casados venciam quase sempre; é que aos 22 e 24 anos todos já estavam casados. Esposas e namoradas assistiam angustiadas pelo vigor das jogadas viris.

Quanta saudade! De madrugada o Bangu descia para jogar em Patrimônio e, de casa, ouvíamos o trotear da caravana ziguezagueando pelo caminho estreito e, à noite ao retornarem, alegres entremeavam vozes e passadas dos animais, gritando: “hipe! hipe! urrah!…”

No dia seguinte, canelas inchadas, algum dedo ou tornozelo destroncado, mas todos na roça. Nem pensar que, por causa de bola, alguém faltasse ao trabalho. Mamma mia!…

Evandro Seixas Thome

Brasileiro, Tronco Aruake, Etnía Baré, nasceu em Manaus - AM em 1963, cursou filosofia no Colégio Salesiano Dom Bosco, foi legionário da Cruz Vermelha de 1987 a 2001, atualmente é técnico em gestão de resíduos sólidos, ambientalista pelo Observatório da Governança das Águas (OGA); Jornalista/editor do periódico mensal Santa Teresa Notícia (STN) em Santa Teresa-ES. Contatos pelo 27 99282-4408