Entrevista com o Dr. Piero Ruschi
Entrevista com o Dr. Piero Ruschi sobre o seu trabalho com beija flores. Seguindo os passos do pai Augusto Ruschi como pesquisador, Piero fala também do desrespeito com a obra do patrono e seu afastamento do Museu Mello Leitão pelo Inma.
Santa Teresa Notícia – Dr. Piero, o Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma), disse em nota publicada, a respeito de seu pronunciamento na Assembléia Legislativa, que o senhor mentiu quando denunciou um suposto desmonte do museu afirmando ainda que o senhor pretende explorar o Museu comercialmente. Nos fale sobre isso.
Piero Ruschi – Olha, em primeiro lugar, desconheço quem se pronunciou ao meu respeito no Inma. Tem muita gente ali dentro, funcionários, que respeito e admiro. Dito isso, eu lamento profundamente que esse orador do Inma tenha fabricado uma visão tão distorcida à meu respeito. Isso mostra o quão distante o instituto está de respeitar o meu pai e o Museu que ele criou. Eles pensam que a defesa do meu pai, a defesa do Museu, se trata de dinheiro. Não entendem que Augusto Ruschi está no meu DNA, está nos meus documentos e está no meu caráter. Então, agem como se eu não tivesse relação nenhuma nem com meu pai, nem com o Museu que ele criou.
STN – Fale um pouco da sua relação com o Museu de Biologia Mello Leitão.
Dr. Piero – Minha relação com Museu é indissociável da minha relação com meu pai. Pois nasci dentro do Museu Mello Leitão, morava lá com meu pai e minha mãe. Eu passei a minha infância inteira lá dentro, acompanhando minha mãe trabalhar, os pesquisadores, os veterinários. Minha brincadeira era cuidar de bicho, ajudar os pesquisadores a tirar passarinho de rede, fazer pesquisa, anilhar beija-flor. E ao longo da minha formação acadêmica eu continuei dentro do Museu. Comecei publicar em nome do Museu Mello Leitão ainda quando estagiário. Depois me vinculei como pesquisador voluntário onde fiquei por mais de dez anos, sempre publicando em nome do Museu Mello Leitão. Eu estava lá, por exemplo, quando ocorreu a enchente de 2000 que molhou todas as coleções. Tinha 16 anos e passei mais de duas semanas trabalhando mais de dez horas por dia, limpando plantas de coleções. Participei do mutirão que salvou as exsicatas da coleção de botânica. Os curadores da coleção de zoologia salvaram todas a peles da coleção de zoologia. E têm obras que se foram nessa enchente e nunca mais apareceram, como a exposição de Toras de madeira de lei.
“Agem como se eu não tivesse relação nenhuma nem com meu pai, nem com o Museu que ele criou.”
Piero Ruschi.
STN – Você estuda beija-flores como seu pai?
Dr. Piero – Sim. Passei mais de dez anos na academia estudando beija-flores. Mestrado, doutorado, minha graduação, sempre estudando beija-flores. Estudei os beija-flores daqui de Santa Teresa ainda na graduação. Algumas espécies que meu pai descreveu estudei em relação a taxonomia, a genética delas, sempre levando o nome do Museu Mello Leitão em minhas publicações. Estudar beija-flores é uma coisa que eu faço, que eu sempre fiz dentro do Museu que meu pai criou, com muito amor. Por exemplo, têm um beija-flor, o Amazilia leucogaster que não tinha no ES. Em 2003 eu fui passear em Conceição da Barra, região de Itaúnas, naquelas florestas de Itaúnas, e encontrei um beija-flor lá que não conhecia e foi na data do aniversário de meu pai. Era um lugar que meu pai foi muitas vezes, têm muitos artigos dele de lá. E ele não viu aquele beija-flor porque ele não estava lá. Depois eu descobri que foi uma expansão geográfica que veio da bahia para o ES.
O Espírito Santo ganhou uma espécie na lista. Está publicado, publiquei em nome do Museu Mello Leitão. Outra vez eu fui pra Rondônia, atrás de um beija-flor que meu pai descreveu, o beija-flor da cabeça azul, o Amazilia Rondoniae, e encontrei esse beija flor que ele descreveu, na árvore que ele descreveu, exatamente o ambiente que ele descreveu. E na árvore do lado, era uma árvore de calabura, eu vi um beija-flor comendo fruta. E pra minha surpresa ele não tinha visto aquilo, ninguém no Brasil tinha. Foi o primeiro caso de frugivoria por beija-flor do Brasil. Também está publicado em nome do Museu Mello Leitão, onde eu sempre estive desde que eu nasci. Minha relação com o Museu Mello Leitão é uma relação antiga, de respeito, uma relação de proteção.
STN – O Sr. ainda faz pesquisa pelo museu?
Dr. Piero – Não. Hoje eu não faço mais pesquisa no Museu. Quando eu comecei a lutar em defesa do MBML, fui afastado de algumas reuniões, justo depois que eu consegui impedir que as coleções fossem retiradas do local original. Depois disso nunca mais fui chamado para nenhuma reunião. E também não tive meu vínculo de pesquisador voluntário renovado, o que me impediu de publicar em nome do Museu. Esse ano, junto com alguns colegas, publicamos um artigo numa revista de genética Genome, canadense, um artigo sobre genética, de DNA de marcadores “código de barras”, como eles o chamam e não pude publicar em nome do Museu, porque não tive minha renovação naquela época. Não enxergam minha relação histórica com o Museu. Mas esse é só um dos casos. Porém isso não impede que eu faça ciência. Esse mês fui procurado pelo Jornal de Ecologia Tropical (Journal of Tropical Ecology), da editora da Universidade de Cambridge, para revisar um artigo para ser publicado nessa revista.Essa que é a editora mais antiga do mundo em funcionamento contínuo. Foi aprovada em 1534 pelo Rei Henrique VIII e é a segunda maior editora acadêmica do mundo. Enfim, tenho contribuído como revisor para vários jornais científicos, apenas como Piero Ruschi, sem relação institucional com Museu e muito menos com o Inma, que o extinguiu. Sempre que eu trabalho com beija-flores é especial, porque sinto que estou trabalhando junto do meu pai – igual quando defendo o Museu.
Boa tarde