ColunistasFrei José Corteletti

Na escola do professor Olímpio

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Nosso professor, o Olímpio, valorizava a força da família, da religião e sempre jogava responsabilidade nos irmãos mais velhos. Eles vão à frente, dizia, os mais novos os seguem. O professor era muito prático e explícito. Já na matrícula avisava aos pais: vou ensinar o que sei: ler, escrever e fazer conta, o respeito, os mandamentos de Deus, ser um cidadão. Os alunos iam estudando até que desse; mesmo que fossem oito anos de escola. A gente nunca sabia certo se estava no primeiro ano A, B ou C, no segundo adiantado ou atrasado e assim por diante, a não ser pela divisa branca no casquete ou na gravatinha da cor da calça azul ou da saia vermelha. Só sei dizer que os mais adiantados levavam três ou quatro listas, mas isso só acontecia, quando o menino já não cabia mais dentro da calça curta e apertada ou se esborrachavam as blusas e as saias das meninas para manter tudo guardado. Naturalmente e na simplicidade. É claro que não era tão comum ver adolescente com quatro listas, pois antes disso, as meninas viravam moças e já estavam na idade do namoro, quando não do casamento; os rapazes esperavam o alistamento militar e depois, – quem sabe – ter que ir para guerra? Tínhamos muito medo!… E o professor nos encorajava dizendo que o soldado que vai para a guerra é um santo, um mártir da pátria. Iria para o céu. O José Demuner, do Jucundo, ex-aluno e morador aí no São Paulo, do Perdido, foi pra guerra. Para nós um herói, um santo, se morresse por lá. Éramos quase todos descendentes de italianos mas não podíamos falar a língua dos nossos. Tínhamos até vergonha de nossa raça e muitas vezes éramos recriminados: “quinta coluna”, “italiano piolhento, mete a vara”. Assim fui tratado aos sete anos de idade, diante de toda a escola, porque quando o professor perguntou o que era funil, respondi: “quela roba de méter il petrólio” (é aquele trem que se usa para pôr querosene na lamparina). Quanta vergonha! Mamma mia!

O professor usava um apito de verdade, um réfi e não um pio de nhambu, não. Todos os dias marchávamos “um dois, um dois”, peito estufado, barriga pra dentro, cabeça erguida, menino e menina. Marcando passo ou seguindo em frente, pés altos, em linha reta, coluna de quatro, maiores à frente e, só se mandasse marcar passo ou desse o “alto”, se não nada esbarraria o pelotão, sempre em frente, seja capoeira afora, lama ou água, passando por debaixo da cerca e, pior ainda, quando encontrasse um muro ou parede intransponível, então os quatro da frente ficavam dando peitadas até o professor gritar direita ou esquerda ou dar o “alto”. Era assim, porque na guerra é assim, afirmava ele. Mamma mia!

Outra: em dia incerto, tínhamos um momento interessante. O professor anunciava: “Higiene!” Mamma mia! Sabe em que consistia? Inspeção higiênica dos pés grepi (sujeira encardida) e bicho de pé, das mãos (unhas pretas), orelha (caracas etc), e cabeça (piolho ou sujeira), começando com os menores. O irmão ou irmã mais velha levava o irmãozinho encangotado ao córrego lá embaixo, no pé do morro, no poço da ponte do Jucundo Demuner. Em caso de bicho de pé, tão comum, era trabalho mais para as meninas maiores arrancá-los com espinho de laranjeira. Do Mateus foram-lhe extraídos, de uma só vez, vinte e oito bichos, quase todos batatas de gordos. Mamma mia! Sim, se o aluno de quatro listas na gravatinha chegasse ao fim do ano, o professor Olímpio mandava chamar o pai e lhe dizia: “Pode levar sua filha, seu filho para casa, tudo o que eu sabia lhes ensinei”. Concluíram o curso… Mamma…!