Disciplina e vigilância
Por Frei José Corteletti
Hoje vou recordar, com saudades, coisas difíceis. Nosso professor Olímpio exercia vigilância sobre os alunos, no caminho da escola e, durante o ano letivo, também na família. Não tolerava os brigões, nem mesmo entre irmãos. Malvadezas aconteciam sim, mas não me lembro de brigas na escola. Nem imaginar coisa dessa, pois a régua ia cantar feio. Iríamos assistir a um drama certamente. Foi na estrada que recolhia dezenas de alunos da região de Várzea Alegre, Limiro Loss e Alcidino Bruno brigaram feio; quando digo feio porque foi feio mesmo. As meninas logo denunciaram ao professor o acontecido. Como faltar à escola no dia seguinte?! A dose seria maior. Terminado o recreio da merenda, todos sentados num silêncio de morte, o professor chamou os litigantes à frente e foi logo dando-lhes os nomes: o Limiro, a onça e o Alcidino, o surucucu. Nós, atentos! Mamma mia!!! Ao surucucu Alcidino, deitado, foram-lhe atados os punhos e os tornozelos de modo que rastejando ia cheirando o assoalho, passando, ameaçador, por debaixo das carteiras; e nós todos, em pé sobre os bancos, gritando de medo do surucucu; enquanto isso o professor, armado de sua régua temida, ia tentando matar a cobra, dando-lhe reguadas durante todo o trajeto das quatro fileiras de carteiras. Pobre surucucu…! Mamma mia!!!
Segundo ato: a vez da onça. Limiro era esperto como um gato. Debaixo da mesa do professor, diante de todos, urrando, aguardava qual papel iria desempenhar diante de nós. Já munido de seu instrumento, o professor foi também explicando: olhe para cima; está vendo aquelas tábuas atravessadas sobre os barrotes? (Enquanto isso, acossava com reguadas a onça que urrava ameaçadora). A um comando meu – disse o professor – você dá um jeito de trepar lá, subindo pela carteira perto da porta, esticar-se agarrando o alto da porta e daí até às tabuas do teto. Aí é que o professor aproveitou a posição estratégica e descascou o pau. Lá do alto, rosnando e urrando, acuada como para avançar contra os alunos e alunas que gritavam desesperados, recebeu ordem de descer; mas a onça que era muito esperta, não desceu pela porta, não, pois o professor queria aproveitar mais umas reguadas. Pendurou-se no barrote e daí, rapidamente no chão e para sua carteira. Mamma mia!!! Desta vez o professor ficou mamando dedo… e nós torcendo para a onça! Via-se que o professor gostava de teatro.
Num outro dia o professor, como de costume, chegou de botina – é que quando, raramente, vinha de sandália, nós dizíamos: hoje ele está manso. Terminado o “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas…” foi de supetão perguntando: quem briga em casa levante-se. Muitos se levantaram imediatamente, eu fiquei esperando a decisão de meu irmão mais velho com quem brigava quase todos os dias, e nós dois, sentados… Conhecedor da vida familiar, em tom de mestre, o professor proferiu a sentença: os que não brigam venham à frente e os que brigam podem se assentar. Logo percebemos que ia dar caroço no angu. Do chão à cadeira e, dessa, em pé sobre a mesa com a régua em punho, o professor Olímpio ordenou do alto: primeira turma de irmãos, por família, debaixo da mesa, os meninos latindo e rosnando como cachorro e as meninas grunhindo e miando como gato e se atacando um ao outro. De cima da mesa, o professor ia fustigando e batendo para apartar a briga e, num dado momento, vinha a ordem de fugirem velozes, salvando-se de mais reguadas. Chegou a nossa vez, Osório e eu. Eu, o gato e o Osório, o cachorro. Eu miava e ele latia e rosnava. Revirando-nos debaixo da mesa para nos atacar e livrar-nos, ao mesmo tempo, das pancadas que vinham de cima da mesa, o professor caçava sempre mais meu irmão que era quase seis anos acima de mim e espertão. A um sinal, saímos de uma arrancada só e bunda bem quente…!? Mamma mia!!!