Lavoro Sacro – CÉLIA REGINA GUIDONI
“UMA COISA DE LINHA SE TORNA UM TRABALHO”.
Por Mônica Ferrari – Escritora e psicóloga, dedica-se desde 2001 ao blog Cena Vitória, que visa promover a cultura capixaba.
FRIVOLETÉ: RENDILHAR A RENDA, ENODAR OS NÓS
Considerado um ofício essencialmente feminino, o aprendizado da técnica do frivoleté requer a paciência dos que persistem. Originado na Europa e popularizado a partir do século XVIII, esse método é realizado com o uso de linhas, tesouras e navete, instrumento com o formato de uma lançadeira elíptica, específico para a elaboração dessa arte.
De descendência italiana, CÉLIA REGINA GUIDONI mantém, no município de Santa Teresa, a exclusividade do uso dessa técnica, consolidando sua conservação, fidelizada a um aprendizado herdado. Traz na memória os ensinamentos da irmã, passados por sua mãe, que iniciou o ofício junto com os imigrantes da região.
Enquanto realiza seu trabalho, Célia parece dialogar silenciosamente com as mãos, que habilmente se entrecruzam numa espécie de dança com os dedos, fazendo voleios e laçadas, formando desenhos delicadamente trabalhados. Uma sequência de nós forma círculos e semicírculos que compõem uma rica trama rendada.
Em suas mãos é possível observar as marcas de quem já trabalhou na roça, colhendo café e fazendo capina. Vinculada à história familiar, a navete que Célia utiliza para produzir as peças é herança paterna. Feita artesanalmente com osso de boi, já completou três décadas de uso. Como num carretel, a linha a ser trabalhada é enrolada na navete e, com habilidade, puxada para a execução de cada ponto.
Enquanto trabalha em nós, através das mãos, Célia enlaça a vida com arte e não pensa em nada. Esvazia a mente. Faz de seu ofício um mantra que se anuncia ao apagar das luzes, à noite, no recolhimento de sua casa-existência. Faz os nós num movimento contínuo, em contraponto com sua caminhada de vida que permitiu mudanças e remendos. Concentrada, diz que a técnica do frivoleté solicita a atenção de quem movimenta mãos e linhas quase como numa prece. Se errar, será preciso desmanchar todo o trabalho e tornar a fazê-lo por completo.
Atenta à importância da continuidade desse fazer, lança voz para a necessidade da capacitação de outras pessoas. Valoriza a conservação da técnica como um legado cultural da identidade dos que dela inicialmente se apropriaram. Produzindo, mantém o domínio dessa arte e, em paralelo, desenvolve um senso estético que assegura um valor afetivo a cada peça. Alegra-se ao ver o trabalho realizado com a precisão que lhe é peculiar. Reinaugura uma história.