Angelo Antonio ZurloColunistas

A fúria do Timbuy

Transtornado com a tragédia que se abateu sobre a cidade e com uma forte depressão por motivos particulares, quase não consegui conciliar o sono. Deitei em minha cama e fiquei pensando em tudo o que havia acontecido nestes últimos dias. Passaram-se horas. Acho que adormeci.
Foi, então, que ouvi uma voz, já minha conhecida, apesar de tê-la ouvido há 15 anos atrás. Dizia a voz: “Roque, Roque, preciso falar com você, preciso desabafar com alguém que diz que me ama, mas pouco pode fazer por mim, a não ser ouvir minhas lamúrias.”
Era o Timbuy que me chamava! Fui até ele e fiquei esperando para ver o que ele queria dizer. Então a voz triste me falou: “Ah! Roque! Que tristeza! Você viu o que aconteceu? Minhas águas, avolumadas pela força da natureza e barradas pelos que transformaram a parte principal do meu leito e um túnel estreito e fétido, talvez por vergonha de que os visitantes vissem tubos e mais tubos de esgoto despejando toneladas de detritos em minhas águas, acabando com o pouco oxigênio que ainda me restava e exalando o cheiro característico de matéria orgânica em decomposição.”
“Isto quando alguns agricultores que residem em minhas cabeceiras não lançam em minhas águas aparelhos com restos de agrotóxico, matando centenas de peixes que tentam sobreviver, apesar da poluição das águas em que vivem. E os fiscais do meio ambiente? O que fizeram para evitar isto? Nada fizeram, a não ser andar por aí dizendo: “Não temos provas para acusar ninguém, nada podemos fazer” e outras babaquices. Até algumas pessoas que dizem amar Santa Teresa, vendo a Cidade parcialmente destruída, se vangloriam, já criticando o Prefeito eleito, dizendo: “Não queriam mudar? Pois aí está. Mude, se for capaz”, desrespeitando, assim os que morreram e os que perderam tudo nesta tragédia. Essas pessoas perderam a grande oportunidade de se calar. Até as placas que as crianças dos colégios puseram em vários pontos da Cidade implorando que me respeitassem, foram arrancadas e jogadas dentro de mim (lindo gesto!).”
“Mas. Voltando ao assunto da enchente, fui destruindo tudo à minha passagem: Casas, pontes, ruas, deixando centenas de pessoas desabrigadas. Assisti, consternado, vidas humanas serem ceifadas por desabamento de ribanceiras. O meu encontro com o meu afluente, o também poluído Rio São Pedro, foi desastroso. As águas aumentaram de modo assustador, porque, infelizmente, me tornei uma barragem para ele, que, sem alternativa, inundou tudo à sua volta. O Museu Mello Leitão, conhecido mundialmente, onde você brincava quando criança e às vezes ajudava o saudoso Augusto Ruschi a apanhar borboletas e pássaros para suas pesquisas, foi transformado em um mar de água lamacenta, invadindo tudo e destruindo obras que, levaram anos, mais anos para serem concluídas pelo nosso saudoso cientista, “Guti”, para os íntimos. Muitas vezes incompreendido pelo próprio povo da Cidade, mas que agora, após sua morte, estão vendo que ele estava certo em proteger a natureza, enfrentando, com altivez, o próprio Governo do Estado da época, para que fosse preservada a reserva de Santa Lúcia, onde ele foi sepultado. Quanto às suas obras, pessoas capacitadas estão tentando recuperar. Em nosso encontro anterior, você chorou e tenho certeza que seu pranto foi sincero. Mas de nada adiantou, pois vocês continuaram a me poluir. Engraçado! Sem querer plagiar ninguém, lembrei agora de uma frase muito antiga que dizia: “Quem destrói a natureza, por ela será punido”. E agora? – continuou o Rio a falar: O que será que vai acontecer comigo? Será que os novos governantes permitirão que continuem a me cobrir com cimento armado? Ou será que usarão medidas severas para reparar um pouco do mal que me fizeram anteriormente? Aqui não vai crítica a ninguém em particular, mas a todos aqueles que contribuem para minha destruição”.
Foi então que acordei, sobressaltado e molhado de suor. Claro, pensei. Ainda bem! Tudo não passou de um terrível pesadelo. Não consegui mais dormir. O dia amanheceu e ao descer a ladeira que separa minha casa da rua principal, deparei novamente com aquilo tudo em que não queria acreditar: Casas destruídas, ruas esburacadas. Resumindo, a cidade continuava um caos!
Já se passaram dois dias depois da tragédia que se abateu sobre minha querida Santa Teresa. Voltei para casa triste e desolado, mas, ao passar pela ponte ainda descoberta do Timbuy, fiquei olhando para ele. Cheio de escombros, mas agora em seu nível normal, que corria sereno, parecendo conformado de ser ainda apenas o esgoto da cidade.
E, mais uma vez, minhas lágrimas se misturaram com aquelas águas sujas e pestilentas. Foi nisto que transformamos o nosso querido Rio Timbuy, que foi a alegria da minha infância!
Espero um dia, ainda, poder escrever: “O Rio Timbuy agradece!”

Escrito por Metridates Roque Pretti em 20/12/2000.