Assim caminha a humanidade…
Por Kleber Medici
A inconsistência de um aplicativo provocou a minha ida a certa instituição financeira da cidade. No caminho, apesar dos estacionamentos apresentarem extrema aglomeração de veículos, o reduzido movimento de transeuntes deixou evidente o agora receio de uma maior parcela da população, quanto aos efeitos danosos provocados pela Covi-19, em caso de aglomerações. Mas o que estava por vir era outro efeito danoso resultado da pandemia, do descaso, da incompetência e do desejo de levar vantagem em tudo.
Alguns utilizavam a proteção abaixo do queijo, outros abaixo do nariz, um número mais reduzido sem a máscara, mas a maioria utilizando-a adequadamente. Iam e vinham sem parar. Nos estabelecimentos comerciais álcool em gel 70% disponível e cartazes indicativos da proibição de acesso, sem máscara. Este era o cenário da quadra comercial em um dia qualquer da semana.
Ao passar pelo beco da sorte, parei para cumprimentar um amigo. De imediato, acredito que a ideia que lhe passou à cabeça foi a de um aperto de mão, um abraço, um sorriso aberto, mas não! Naquele momento, a distância mantida, o sorriso escondido e um aceno com a mão foram o bastante para um tempo em que não sabemos com quem o inimigo anda.
Por alguns minutos o acompanhei na agora espaçada fila da casa lotérica. Agora, porque recentemente uma aglomeração naquele espaço, na calçada do posto de atendimento do Banesfácil e da Caixa Econômica Federal, chamou a atenção. Preocupou. E olha que não foi culpa dos empregados que ali laboram.
Meu amigo confirmou um dos motivos daquela aglomeração. Como tantos outros, o trabalho informal garantia a sua subsistência e a de sua família. De uma hora para outra se viu desempregado. A pandemia tirou-lhes o pão de cada dia e o benefício era a esperança que restava naquele momento.
Fiz sinal afirmativo, mas o amigo se pôs a falar com certa decepção. Disse ter recebido a notícia de que não atendia as condições para receber o auxílio. Mas como? Perguntei-lhe. Na tela do celular os motivos: cidadão com emprego formal – vinculado ao RPPS e cidadão exerce mandato eletivo. Parecia brincadeira, mas não era!
Desabafou! “Além de não ser um dos 11 vereadores eleitos, há tempo não tenho a carteira assinada e agora estou vivendo de ajuda dos outros”.
O pior, contou que vagou por diversos setores públicos e privados, sem solução. Na segunda tentativa, sem êxito, a tela mudou a informação: “seu CPF já está cadastrado”. Alguém lhe repassou que o erro poderia estar no sistema da Dataprev ou nas análises do Ministério da Cidadania. Mas como chegar até lá?
Como o amigo, existem outros 10 milhões. O emergencial para eles passou a não fazer sentido. Coloquei-me à disposição para, pelo menos, uma resposta plausível sobre o destino do seu benefício. Com um breve aceno me despedi, seguindo em direção ao banco.
No percurso Drummond apareceu para lembrar-me que “no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho”. Sim, naquela lista com o nome dos beneficiados da primeira parcela do auxílio emergencial tinha uma pedra.
E o poeta continuou a me provocar com suas palavras: “(…) nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra”. Isso incomoda. E Drummond representa a lição dos antigos e nos lembra do valor da palavra. Ela ensina sabiamente que aquilo que se aprende em casa é o que reflete na sociedade. Nesse passo, acolhidos pelo sistema, os seguidores da lei de Gérson (aqueles que querem levar vantagem em tudo) fazem a sua parte, sem alarde, sem palavra.
Havia uma pedra no caminho daquele nome rejeitado pelo sistema, daquela família. Enquanto isso, o pão de cada dia segue para a casa de quem não tem fome. E assim caminha a humanidade…