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Com a palavra: As ruínas de Queimado

A região de São José de Queimado, onde se encontram as ruínas que foram palco de uma insurreição dos escravos pela liberdade no Espírito Santo, vive um momento histórico de pesquisa, que visa resgatar as riquezas e verdades desse monumento vivo e eloquente na luta pela liberdade, que em 2019 ressurgi com um grito contemporâneo, em pleno vigor, o “Inventário Participativo do Sítio Histórico e Arqueológico de São José do Queimado. 

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De acordo com um dos principais articuladores e idealizadores, o professor de sociologia Diego Alves, coordenador do projeto, junto com professor de história  Amarildo Mendes  e o professor de geografia Leonardo Matiazzi do Ifes Campus Serra. Diego explica que o projeto surgiu através de uma parceria entre o Instituto Técnico Federal do Espírito Santo (Ifes) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com a ajuda de uma emenda parlamentar do ex-deputado Givaldo Vieira que financiou a primeira etapa do projeto e que foi responsável também pelo pedido de tombamento das ruínas da Igreja.

“O projeto está sendo desenvolvido no âmbito do Neabi que é o Núcleo de Estudos Afro Brasileiros e Indígenas do Campus Serra. Tudo começou com a identificação da base social que legitima esse pedido, além de investigar as referências de natureza imaterial, da questão histórica, cultural e social do Queimado para subsidiar uma análise do tombamento e verificar qual seria o instrumento mais adequado para o caso, passando pela identificação do bem ou dos vários bens, que é o que a base social aponta, para os fins de registro e reconhecimento no Iphan.

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As ruínas no início do seculo XX

O projeto inicialmente tinha previsão para 1 ano, mas percebemos desde o início que a coisa era muito maior, e então pedimos uma prorrogação para finalizar até o meio deste ano (2020) pensamos que íamos acompanhar pela segunda vez a manifestação de queimado que acontece em março e fazer algumas reuniões com o propósito de realizar esse inventário, mas aí veio a pandemia que nos forçou a dilatar mais o prazo, reformulamos o projeto, cancelamos algumas ações, criamos outras que resultou nesse formato onde estamos já na reta final que é o Inventário Participativo à distância e eu acho que tá sendo bem sucedido. No sábado (27) foi a 7ª Roda de Conversas que se finaliza no dia 03 de outubro e teremos mais 2 meses para para finalizar o dossiê e um filme de 60 minutos. 

Felipe Oliveira, historiador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), explica que desde o dia 25 de julho de 2020, Iphan em parceria com o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) tem mobilizado a sociedade civil no intuito de construir um Inventário Participativo do Sítio Histórico e Arqueológico de São José do Queimado. Essa ação integra ao levantamento das referências culturais, cuja pesquisa se empreendeu por meio do Termo de Execução Descentralizada entre as instituições supracitadas que se iniciou em 2019 para fins de subsidiar o pedido de tombamento ao nível federal. 

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Estrutura pronta para visitação

Em torno do Inventário, somaram-se juntamente com o Iphan e o Ifes, o Fórum Chico Prego e a Associação Guardiões de Queimado. Além dessas instituições, participam ainda cantores, poetas, representantes de entidades civis, capoeiristas, pesquisadores, educadores e outros que tem suas vidas entrelaçadas a esse bem cultural.

“O objetivo desta iniciativa consiste em levantar, descrever e documentar as referências culturais associadas às ruínas da antiga vila de São José de Queimado. Esse local, em 1849, experienciou uma das revoltas escravistas mais significativas e silenciadas do Atlântico Negro. Liderados por Elisiário, Chico Prego e tantos outros anônimos da história, os sujeitos escravizados colocaram em xeque o sistema de pensamento colonial sob às custas das próprias vidas. Transmitidas pela palavra, a memória de Queimado, porém, não se perdeu no tempo. Ao contrário, manteve-se há mais de 170 anos nas práticas culturais e no imaginário social. Por meio das lembranças de cada um dos participantes, procuramos tecer uma narrativa com olhares plurais acerca deste patrimônio que manifesta a ancestralidade afro-brasileira. 

A União faz a Força

1552927361941-queimado-em-restauracao Com a palavra: As ruínas de Queimado

O poeta trovador Teodorico Boa Morte ao abrir com um poema a 3ª Roda de conversa, fala da grandiosidade do fato histórico e fez comparações. “A união faz a força, este é um momento de vitória, a realização deste documento acende em cada um de nós, esta força. Estamos vendo ressuscitar a memória da história desta revolta nos livros, e nos dando a graça da ajuda de várias pessoas em comum para o mesmo trabalho, e órgãos como Ifes, Iphan, Guardiões de queimados, Fórum Chico Prego, os movimentos dos negros, os ativistas culturais, poder público, professores, alunos, e a todos que defendem, esta política social humanitaria de direito. Todos nós juntos em um sonho de conquista e de luta, trazer à tona o valor dessa história que no contexto cultural brasileiro, mesmo que ainda desconhecida dos livros de história do Brasil. Sabiam que essa revolta não é menor que outras revoltas que aconteceram no Brasil? ela têm igual valor às grandes revoltas que aconteceram no país, a Revolta dos Malês na Bahia; Revolta de campinas em SP, até mesmo a Revolta de São Domingos no Haiti.  Hoje juntos na certeza da memória histórica do Queimados se perpetuar, imortalizada em nosso município, e daqui partirá para o Brasil, Nossas ruínas estão hoje preparadas para o futuro, e também a união da luta de todos nós neste compromisso”. Vaticinou.

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Para o técnico agrícola Douglas Daniel, membro do Conselho Superior do Ifes campus Santa Teresa, é um momento muito feliz do processo do Sítio Histórico de Queimados, porque existe certa garantia de preservação do local, mas também fala das preocupações quanto aos impactos ambientais que a região deve sofrer com a expansão urbana e industrial que deve ser incentivada com as obras do contorno do Mestre Alvaro.

d6d40d9f-c5c4-46f8-b0e1-5ee2fd0e727a-1 Com a palavra: As ruínas de Queimado
Douglas Daniel recebendo uma homenagem da vereadora Laurência Riani em 2011

“Após assinatura para a construção do inventário no mês de setembro 2018, teve início o trabalho de arqueologia em Queimados. A prefeitura Municipal de Serra autorizou essa atividade responsável pela identificação e catálogo das ruínas. Sempre estive ligado na história de Queimados, fazia visitas ao local quando criança ainda, e por isso sempre fui engajado na problemática, mais tarde já estudando no Ifes Campus Santa Teresa foi novamente apresentado a mim a questão de São José de Queimados e novamente na primeira década, nos foi levantada essa questão de Queimado no Fórum das Ongs e depois em 2011. E novamente entrei em contato mais direto no começo das obras de restauração das ruínas que estavam já caindo. Para mim é uma satisfação, depois que se conhece presencialmente Queimados a pessoa passa a ter a responsabilidade de se engajar na luta” Afirmou.

Um olhar sobre Queimado

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Diego Alves professor de sociologia Diego Alves, coordenador do projeto “Inventário Participativo do Sítio Histórico e Arqueológico de Queimado.

“- Cheguei no Espírito Santo há 7 anos e há 6 conheci Queimado, até então eu nunca tinha ouvido falar do local, quando recebi um convite de um amigo para fazer uma pedalada até as ruínas, mas foi em uma caminhada noturna em 2018, quando começou as conversas sobre as possibilidades das pesquisas e numa manhã de domingo durante uma celebração, fiquei impressionado com tudo. Desde então comecei a estudar um pouco e perceber o que que havia sido essa experiência.

O que eu percebo sobre o inventário é que ele compriu a sua missão a que se propõe a ser, participativo, teve um momento que eu vi que toda a articulação já estava feita, nós já nos conhecíamos de umas situações desde 2018, 2019 algumas pessoas, eu percebi que meu papel era ficar nos bastidores, preparando esse aspecto tecnológico, de transmissão e de gravação, ver nos aplicativos compartilhando, mantendo atualizada a lista de reuniões, os endereços e tudo mais, “sem deixar a peteca cair” vamos dizer assim, desse desejo, dessa disponibilidades dessas pessoas para trabalharem no inventário, nós fizemos algumas propostas de tema para começar, a coisa foi crescendo, foi surgindo, por exemplo na véspera de agosto que foi que veio a ideia do protagonismo das mulheres que foi a última “Roda de Conversa” e como também agora recentemente neste sábado dia 03, com temática de documentação, artefatos, enfim como as pessoas adquiriam objetos referência a Queimados, e os próprios objetos contam histórias e relações entre as pessoas, portanto o primeiro ganho imediato é o participativo e nós estamos fazendo a mediação, tentando organizar essas informações e fazer esse diálogo, para encaminhar uma narrativa. 

Outra coisa que é interessante, é o espaço virtual, apesar de todas as dificuldades, você percebe pessoas com visões diferentes, posições diferentes, e grupos, que de certa forma não interagiam, percebi que havia um desconhecimento entre eles, e aí tem um ponto positivo, que é a atmosfera de respeito sendo construída na tentativa de compreender o outro e ao mesmo tempo também cada coletivo se percebendo internamente. Toda este entendimento está acontecendo de uma maneira muito bacana, até porque estamos em véspera de eleições, acho que tem muita coisa em jogo, têm mais ainda por vir, e como a gente pode ver no inventário as pessoas têm muitas preocupações, eu acho que é o momento de evidência o momento, penso que as instituições precisam ser solidárias  independente dos contextos políticos, cumprir suas missões respectivas, e aí é quem é que vai “tocar” quem é que vai estar à frente, isso vale para queimados, vale para instituições, eu vejo tudo isso com muito otimismo, eu vejo muitos sonhos se desenhando. “

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Felipe de Oliveira  historiador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

” Frequentemente, a tarefa de realizar um inventário é considerada árdua, pois requer a articulação de diversos grupos sociais. Diante do contexto de pandemia de covid-19, entretanto, os desafios se aprofundaram. Como aproximar os agentes em meio ao distanciamento social? Como interpretar as demandas sociais, propor agendas de debates e revelar suas memórias se o vírus que acomete milhares de pessoas no mundo nos impede? O meio virtual tem sido a válvula de escape para contornar a crise que atravessamos. Se, por um lado, essa alternativa retira o contato físico entre cada um dos atores; por outro, permite a produção de um grande conjunto documental de gravações sobre as rodas de conversas e dinâmicas que são realizadas para se reportar ao Sítio Histórico.  

Até o presente momento, diversas experiências foram compartilhadas. Em sete delas dedicamos atenção ao planejamento para a organização de um cronograma prévio, a definição de papéis dos participantes, o agendamento de convidados e o estabelecimento de diretrizes sobre o funcionamento das rodas de conversa. As demais pautaram-se na recepção da socióloga Sônia Rampim que nos apresentou suas vivências com outros projetos de inventários e foi viabilizada a primeira roda de conversa, ocorrida dia 15/08, cujo tema versou sobre os diálogos inter-religiosos.

Ao longo dos últimos sábados foram articuladas outras rodas com temáticas indispensáveis à construção das representações culturais de Queimado. São elas: os problemas ambientais no local e as estratégias de sustentabilidade; o protagonismo das mulheres; as relações entre os poderes públicos e empreendedores na dinamização dos setores econômicos; o engajamento de movimentos sociais na preservação do bem; as memórias dos antigos moradores do Distrito; bem como as construções de conhecimento realizadas por memorialistas, pesquisadores e educadores na formulação de narrativas que visem a proteção do bem cultural.   

Assim, convidamos o público interessado para acompanhar os debates que ocorrem nas manhãs de sábado e as reuniões de planejamento que realizamos às quartas-feiras, às 20h30. Para acessá-las, basta entrar na página do Facebook do Neabi-Ifes. É uma oportunidade de testemunhar as experiências desses importantes agentes da cultura no estado do Espírito Santo na tentativa de reconhecer e valorizar um patrimônio da expressão afro-brasileira de pouca visibilidade em nossa história. 

Particularmente, vejo que o processo do Inventário possibilita documentar e identificar esse bem cultural que é particularmente significativo para narrar a história atlântico negro. A Revolta de Queimado se inscreve em um momento particular da história brasileira, em que os ares da Revolução Haitiana ainda pairavam sobre os mentes dos sujeitos escravizados e geravam temores dos poderes senhoriais estabelecidos no país. Retirar essa história da penumbra significa reconhecer a importância do patrimônio afro-brasileiro para a configuração da história da experiência humana.”

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Douglas Daniel  Técnico Agrícola e membro do Conselho Superior do Ifes

“Estou muito feliz nesse momento do inventário, porque a gente olha lá atrás e vê aquela igreja abandonada, esquecida pelo tempo e pelo poder público, quase perdemos as ruínas e agora com o inventário já podemos ter garantias de manter o patrimônio a salvo, podemos posicionar nossas lutas em prol da valorização de nossa cultura e ver figurar a verdade nos livros de história e consciência do povo brasileiro, Nisso temos que agradecer também ao jornal Tempo Novo, Eci Scardini, Fabrício Ribeiro, Evandro Seixas, Bruno Lira e Ana Paula Bonelli que tantas vezes levantou essa bola para o debate. E esse inventário vem trazer garantias de preservação ao sítio pois o mesmo se encontra em uma área próxima de uma expansão imobiliária, Espero que possamos preservar também todo o entorno que também esconde muitos resquícios da nossa história.”

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Poeta e trovador Teodorico Boa Morte

INSURREIÇÃO DO QUEIMADO.

Do massacre a tirania,

Da inocência a crueldade,

data-11032020-es-serra-sitio-historico-de-queimado-serra-editoria-cidades-foto-ricardo-medeiros-gz-205079-article Com a palavra: As ruínas de Queimado

Do sonho de vida livre,

A morte foi liberdade.

Dos relatos que se ensinam,

Da história que é viva,

Nem o tempo apagou,

Esta brava ação cativa.

Restauro-Queimado1-e1583952825465 Com a palavra: As ruínas de Queimado

Brava luta por direitos,

Brava força da união,

Brava planta que floresce,

Desta vil insurreição.

Faz brotar em cada um,

Que luta por vida honrada,

Por direitos e vida livre,

Nos passos da caminhada.

Onde ainda em muitos casos,

A Raça Negra é vetada.

Ouve-se um grito no espaço,

De uma voz pedindo paz,

De Chico,  Carlos e João,

E ainda, outros mais,

Mostrando a força da luta,

No túmulo ressuscitado.

Seus gritos, bradam justiça,

Na luta que continua…

Dizendo peguem a bandeira,

Foi o símbolo que deixamos,

Para a liberdade sua…

Queimados, passado, presente e futuro

Quem te viu Vila, Já virou cinza,

Seus casarios, se foram além do carvão,

Quem te viu em ruínas , doía o coração…

Por que ouvia gritos e lamentos, 

E sangue no vão das paredes.

E uma multidão aqui caminhava, murmurava, gritava, brigava, e até chorava…

E numa luta com garra, implorava para  brotar na história a razão de um novo cenário!…

Onde muitos queriam ver, o bradar de passos numa luta de cada ano… Num tom de gritos de liberdades e de direitos humanos…

Hoje,

Um sorriso, um olhar brilhante, 

Se vê o começo da vitória de muitos militantes!…

Sem a semente de muitos em memória…que partiram sem ver os raios de luz de uma glória!..

Não se acendia os faróis da cultura…

Você hoje, que pegou o meio da luta, mas tá na disputa, não esqueçam jamais…

Que uma vitória, só acontece com braços unidos,

E não tem sentido, o egoísmo voraz…

Que bom estar hoje vendo uma realeza nas marcantes ruínas,

Num chão laminado, um dia marcado, com sangue da vida dos escravizados!…

Então!

Que bonita estampa, fotos, mostrando um legado.

Nunca esqueçam que hoje, esse grito de guerra, que se espalha na terra, 

É um canto de muitos, 

De ações de um passado, brotando no presente, o ar da vitória para uma juventude.

Lembra-se você que assina um legado,

De uma história, que não coube só a um  gravura da colheita,

Mas sim a uma corrente cultural, que liga um passado, um presente, 

E um futuro eternamente!…

Queimado é uma luta de muitos que a mais de 100(Cem) anos de trabalho e crueldade,

Já se ouvia um lamento em forma de gritos… LIBERDADE! LIBERDADE! LIBERDADE!…

Evandro Seixas Thome

Brasileiro, Tronco Aruake, Etnía Baré, nasceu em Manaus - AM em 1963, cursou filosofia no Colégio Salesiano Dom Bosco, foi legionário da Cruz Vermelha de 1987 a 2001, atualmente é técnico em gestão de resíduos sólidos, ambientalista pelo Observatório da Governança das Águas (OGA); Jornalista/editor do periódico mensal Santa Teresa Notícia (STN) em Santa Teresa-ES. Contatos pelo 27 99282-4408