Depois de 38 anos, um livro sobre beija-flores
Entrevista com o filho de Augusto Ruschi, Dr. Piero Angeli Ruschi, Inaugurando os trabalhos do Memorial Augusto Ruschi, com o lançamento do livro “Beija-flores da Mata Atlântica”, dedicado a apresentar aos amantes da natureza as 43 espécies do nosso bioma que apaixonaram o Patrono da Ecologia do Brasil.
Por Seixas Baré
A obra Beija-flores da Mata Atlântica traz detalhes sobre a biologia de todas as espécies do nosso bioma, informações gerais sobre a história natural da família dos beija-flores, dicas para identificá-los na natureza e também mais de 100 fotografias de alta qualidade que revelam o trabalho de mais de uma dúzia de fotógrafos que dominaram a arte de fotografar beija-flores de várias regiões do Brasil e também do exterior, um time de fotógrafos famosos, iniciantes, amadores e profissionais. “É uma prova de como a qualidade da fotografia de aves no Brasil está em um elevadíssimo nível”. Conta Piero.
Santa Teresa Notícia – Lançando a obra “Beija-Flores da Mata Atlântica” por quê beija flores?
Piero Ruschi – Os beija-flores foram um xodó do meu pai, que ele mesmo fez questão de retratar da melhor forma possível, contratando o pintor Etienne Demonte. E na contra capa daquele livro ele disse: “Eu seria um errante se não conhecesse mais sobre a vida dessas jóias aladas que me saúdam pelo ar a todo momento”. Cresci com esse livro, folheando sempre, conhecia as espécies de beija-flores desde criança e isso me levou a convivência com estes seres e a estudá-los mais.
STN – Santa Teresa faz jus ao título de terra dos colibris?
Piero – Sim com certeza, para mim sempre fez sentido falar que Santa Teresa é a cidade dos colibris, pois sei de quem (beija-flores) estamos falando. Mas ao olhar para a cidade hoje eu vejo que, para as pessoas não faz tanto sentido, não vai muito além de uma placa na entrada da cidade. O livro certamente contribuirá para melhorar esse quadro. As pessoas poderão conhecer a identidade dos beija-flores da Mata Atlântica, e o teresense vai poder conhecer a identidade dos beija-flores da cidade dos colibris!
STN – Recentemente a imprensa divulgou a criação do Memorial Augusto Ruschi com o intuito de salvaguardar a honra e a memória de Ruschi, esse livro tem algo a ver com isso?
Piero – Sim, tudo. Desde que comecei a defender a honra do meu pai, as coisas evoluíram ao ponto que chegamos agora, da criação do Memorial para que a verdade a seu respeito não seja perdida em meio às pós verdades que alguns interlocutores descompromissadamente ecoam por aí. Temos 4 linhas principais de projetos: biografia, exposição, documentário e biodiversidade, que é onde se encaixa esse livro. Ele é um resultado do projeto Natureza com Augusto Ruschi.
STN – Por quê começar com um livro?
Piero – Temos no memorial muitos projetos, em breve teremos o espaço físico do Memorial Augusto Ruschi, temos também alguns projetos mais fáceis e mais baratos que esse livro, mas escolhemos justamente o livro “Beija-flores da Mata Atlântica” para dar início, porque eram os seres vivos favoritos dele. Desde o livro dele, publicado em 1982, nunca mais tivemos um livro sobre beija-flores no nosso Estado. Foram 38 anos. Então resolvemos dar essa alegria pessoal para ele em forma de homenagem, afinal ele é o Patrono da Ecologia do nosso País.
STN – Homenagem ao legado científico?
Piero – Sim, homenagem a esse amor de Augusto Ruschi pela fauna e flora e pelo sucesso em garantir a preservação da biodiversidade naquele que foi o tempo mais crucial da história, onde realmente diversos ecossistemas únicos, sobretudo da mata Atlântica, seriam banidos da face da terra, se não tivessem sido defendidos com aquela garra dele.
STN – Quando e como decidiu escrever “Os Beija-flores da Mata Atlântica”?
Piero – Esse livro surgiu de uma combinação de fatores, era o estudo principal do meu pai; os beija-flores me fazem bem, porque os conheço, contemplar os beija-flores sabendo quem são é bem diferente de simplesmente ver um colibri voando.
Comecei a pensar no livro em 2006, e no início da minha pós graduação em 2007 decidi que seria um livro puramente científico, mas ao longo dos anos fui percebendo que um livro puramente científico poderia ficar para um outro momento, até mesmo para dar tempo de incluir algumas pesquisas que ainda estão inacabadas. Então resolvi iniciar por algo mais prioritário, isto é, um livro acessível também ao grande público, um livro que revele a ciência e os encantos dessa família de aves tão ímpar.
Foi por isso que decidi não fazer um livro puramente científico, mas simplifiquei a escrita dessa obra, deixei ela bem simples e acessível para o público de várias idades e não só especialistas, mas principalmente para os leigos e aproveitando que os beija-flores são tão bonitos e despertam curiosidades entre as pessoas, espero que o livro também sirva para educação ambiental e seja ainda uma porta de entrada para pessoas que estejam iniciando o contato com a natureza.
STN – O livro é sobre a vida dos beija-flores?
Piero – Os beija-flores são aves que podem ser facilmente utilizadas para traçarmos paralelos comparativos em nosso dia a dia. Há muitas coisas nesse livro, desde a história natural, os aspectos biológicos, ecológicos, fisiológicos e ensinamento de como identificar as espécies. Uma coisa é falar que aqui está um beija-flor e outra é você reconhecer ele da próxima vez que “bater o olho” e entender o por que daquilo que esta observando. A natureza ganha mais sentido quando a conhecemos. Se compararmos uma pessoa a um beija-flor, notamos que eles são os expoentes dos vertebrados do nosso planeta, desde a capacidade cerebral, capacidade de voo, velocidade, ritmo cardíaco, processamento metabólico. Para se ter uma ideia, o chimpanzé embora tão próximo da gente, não tem essa capacidade de fina coordenação de movimentos que um beija-flor tem, capacidade essa que está relacionada ao controle do aparelho vocal e a capacidade de falar. O beija-flor aprende a se comunicar cantando com os pais. Poucos animais no planeta tem essa capacidade. Nas aves, que se sabe, apenas 4 famílias, e o beija-flor é uma delas.
São detalhes científicos profundos como esse, de artigos, que são traduzidos no livro para uma linguagem simples, para crianças e pessoas de todas as idades que querem conhecer a natureza. Esse livro tem isso, qualidade, profundidade e rigoroso conhecimento científico, mas em uma linguagem muito simples.
STN – Qual o sentimento em relação à obra?
Piero – Feliz porque ela abre as produções do Memorial Augusto Ruschi e deve promover o bem para a vida humana e não humana. Com certeza vai ter grande utilidade para a Educação Ambiental e também promover outros trabalhos no memorial, além dos desdobramentos desse livro para áreas mais aplicadas. Fico tranquilo em saber que com a leitura do livro as pessoas poderão conhecer os beija-flores, não de uma forma rasa, mas conhecer os beija-flores bem. E também é um livro onde o observador de aves experiente poderá aprofundar seus conhecimentos sobre a família dos beija-flores. Eu garanto.
STN – É o seu primeiro livro?
Piero – Sim, esse é o meu primeiro livro. Já publiquei artigos de pesquisa, mas fora da Comunidade Científica é o primeiro trabalho. Além disso, eu, Piero, sinto que seria um errante se não ajudasse as pessoas a conhecer os beija-flores da nossa região. Trata-se de uma missão que faria meu pai muito feliz, e sou testemunha dos benefícios de se contemplar os beija-flores sabendo quem eles são, é uma sensação muito enriquecedora.