Enterro do Fulminado
Naquele tempo Santa Teresa, se virava muito bem com três ruas de mão e contramão: uma que vinha de Vitória para Colatina, outra que partia do Hotel “Central” para Afonso Cláudio e a Avenida Espírito Santo que findava no jardim.
Havia muitas histórias dos pinguços da cidade, mas vou contar apenas a do enterro de um, do “Fulminado” (Delosman Panceti de acordo com Celso Bomfim).
Os três sinos históricos pararam a cidade com seu dobre fúnebre e cadenciado, repetindo o dim…! dem…! dom…!
Será o Amadio? A nonna Mélia? O Bepe Salviato? O Miniguim? … O sino mais grave, depois do choroso lamento dos dois companheiros, foi contando lentamente os anos do morto. Não chegara aos quarenta de idade! Deu a dica…
Como? Morrer o Fulminado? Logo ele que era tão bom (depois de morto todo mundo é bom) !? Tão jovem!?
O colega já no caixão, revezavam-se no velório as bicadas nas “Espanhola”, “São Bento”, “São Dalmácio”, na “Moça” e na “Velha” também…(famosas pingas daqui).
Na boca da sepultura, o senhor Renato Rudio pediu a palavra. Elogiou muito o defunto e lembrou suas boas qualidades. Afirmou – isso todo mundo ouviu – que ao enterro de gente rica toda gente vai. Aquele era o sepultamento de um pobre, asseverou, mas era um pobre que merecia um discurso.
Falou muito. O ilustre orador, ao que parece, estava tendo dificuldades para terminar sua oração. Os acompanhantes, que bicaram a “danada”, pediram apartes.
– “Deus do infinito – falou o Renato – Deus no infinito podia fazer minha vontade. Eu gostaria de acompanhar esse amigo na cova”.
Logo o Gênio Loss proclamou: “Se o eterno não fizer a sua vontade, nós faremos com prazer: enterrá-lo por esses dias neste mesmo cemitério”. Mamma mia! …
Houve risos e algum comentário. Mas o orador não se perturbou. Continuou. Vibrante, emocionado, falou qualquer coisa que não foi bem compreendida.
Um dos assistentes lhe pediu para pronunciar melhor as palavras. O orador não teve dúvidas. Desculpou-se, meteu os dedos na boca, retirou a dentadura:
– “Agora a pronúncia vai sair melhor…”
O ilustre orador, chorando, não parava de falar.
Novamente um dos assistentes pediu um aparte:
– “Peço ao brilhante orador licença para um aparte”.
– A licença está concedida.
– Vossa Excelência está emocionando muito a viúva do falecido. Vossa Excelência poderia terminar seu brilhante discurso para acabar com o sofrimento da viúva. (Palmas no recinto).
– Vossa Excelência tem toda a razão – consentiu. Vou acabar de dizer minhas besteiras. Meu discurso está terminado. (Novas palmas…). Mamma mia!…