O poder da esperança
Por Kleber Medici
Crianças são curiosas, percebem que podem ir além do olhar e passam a explorar o mundo à sua volta, o que pode resultar tombos inesperados. Caso venham a ocorrer, se de um lado geram dor, de outro são decisivos para o seu desenvolvimento. Nesta evolução, não se oferta andadores para evitar que o bambino passe a trilhar espaços perigosos e a pular etapas.
Com esta esperança infantil, segue-se à análise dos inúmeros ofícios e relatórios constantes do procedimento de tombamento nº 627499990, que tramita na Secretaria de Estado da Cultura (SECULT), para destacar alguns pontos:
a) os técnicos da SECULT chegaram a Santa Teresa para realizar estudos de viabilidade de tombamento de imóveis no município atendendo a determinado pedido, que foi deferido pela autoridade competente;
b) Entre os anos de 2013 a 2018, o ex-prefeito e o atual, como chefes do Executivo local, tinham pleno conhecimento do procedimento de tombamento;
c) à exceção de reuniões pontuais sem muita divulgação por parte da Administração Pública, não se tem notícia de uma ação planejada e realizada neste período para repasse de informações sobre o tombamento e seus efeitos, de modo a garantir melhor compreensão à população em geral e, em especial, àqueles diretamente afetados pela limitação administrativa e
d) a participação da Associação dos Amigos e Moradores do Centro de Santa Teresa (AMACEST) não retira a responsabilidade da Administração Pública local de acompanhar e questionar, dentro do permissivo legal, as ações realizadas pelo Governo Estadual e repassar à população teresense os respectivos resultados.
Embora alguns defendam como correta a forma com que ocorreu a divulgação das etapas do procedimento de tombamento, é certo que, decorrido mais de 5 anos do requerimento inicial, nenhum mecanismo foi criado, seja pelo Governo Estadual ou Municipal, para garantir a ampliação da participação popular no debate, visando arrefecer o sentimento de perda individual e alimentar o sentimento de pertencimento.
Prudente destacar que vários casarões constantes do relatório técnico estão preservados por iniciativa do proprietário, como aqueles pertencentes às famílias Croce e Macci, Polli, Pretti, Sâncio, Gasparini, Broseghini, Dalmácio, Hoffmann, Bassetti, Bringhenti e Braga.
Da leitura da Lei nº 2.947/74 e do Decreto Regulamentar nº 626-N é possível extrair severas restrições, as quais, ao passarem ao conhecimento de um número maior de proprietários diretamente ou indiretamente afetados, foram suficientes para o aumento da turbulência já instalada naturalmente em razão do conflito entre interesse público e privado.
E mais, via de regra, o histórico de efeitos negativos relacionados aos tombamentos no Estado alimenta a desconfiança daqueles que são afetados pela restrição administrativa em solo teresense.
A proteção legal poderia ser menos radical. Destacam-se aqui as multas excessivas, o reduzido valor dos recursos públicos destinados à conservação ou restauração e o excesso burocrático na análise e liberação dos pedidos de manutenção externa dos imóveis.
No caso de Santa Teresa, em um primeiro momento, a suspensão deste procedimento de tombamento, ainda provisório, possibilitaria a ampliação de informações e debate para descobrir o que a sociedade deseja para si. Mesmo que alguns afirmem que outros casarões serão demolidos neste intervalo de tempo, ao meu sentir, se houver a devida fiscalização da municipalidade, não acontecerá.
Lado outro, se mantido o trâmite regular do procedimento pela autoridade competente, a redução da mancha do sítio histórico é um ponto a ser enfrentado, além de um tratamento diferenciado para cada espaço a ser afetado pelo tombamento.
Neste embate, alguns podem até tratar de forma jocosa ou com arrogância certos questionamentos, mas é preciso reconhecer que cada lado é legítimo para defender sua posição, o que é próprio da democracia. O que não se deseja são amigos de infância tratarem-se com animosidade, arruinando o elo invisível que une tantas famílias teresenses, a honra e a dignidade.
Afinal, crianças são curiosas, percebem que podem ir além do olhar, querem engatinhar e, em seguida, andar. Mas é preciso que o cuidador esteja por perto para garantir equilíbrio, segurança e confiança. Cabe-lhe a responsabilidade e o respeito para com a situação gerada, a qual precisa de uma solução justa, aquela que será a melhor para a população teresense. Este é o poder da esperança.