Os Perdidos
Caçador obstinado, sempre acompanhado de adestrada matilha, como faziam os contumazes imigrantes caçadores, saiu bem cedo, mato a dentro, Antônio Secchin, lá pelas bandas de Alto São Pedro virando para o Alto Tabocas, nos tempos muito longínquos do hoje. Na cintura um facão, a tiracolo a chumbeira de dois canos acompanhada do embornal que levava a munição indispensável, e outro, com um bom pedaço de lugânega (linguiça), formai (queijo) curado, enrolados com duas fatias de polenta dura, um litro de café e nada mais. Se desgarrara dos demais companheiros. Se de dia ia perdendo o rumo mais e mais, de noite, a imaginação se povoava de pensamentos lúgubres, ainda que fosse o grito angustiado da coruja ou o cair simples de folhas dos ramos das frondosas árvores que dançavam ao sopro da brisa fria. Podia até ser algum animal assustado, em fuga. Tudo isso era multiplicado pelo tamanho do medo, no meio da selva misteriosa. Passa vale e vira morro, a primeira tarde ia se despedindo e, desesperado, Tonin apruma a arma e descarrega os dois canos, alertando o mundo inteiro que ele se perdera…!?
As buscas se fizeram por cinco, seis dias, a cidade pequenina e solidária consolava os familiares desesperados. Todas as noites se reuniam para rezar o rosario della Madonna (o terço de Nossa Senhora). Davam-no por morto, picado por cobra, caído em precipício ou, quiçá, comido por uma onça pintada.
Depois de quinze dias sumido, o Tonin apareceu, cheio de perguntas dos amigos para responder: Como foram esses dias? … O que comia? …. Como dormia? …. Muito medo?!… E ia por aí afora…
– “palmici ho mangiato” (comi palmito) e carne de pequenas caças. “Aqua bona” não faltou . À noite, “dopo la paura” (depois do medo), acendia um fogo e dormia com medo da onça”. Por fim, mais animado, disse: “Gostei da aventura”…! Mamma mia!!!
Agora, lá no meu São Paulo! Muitos perdidos das florestas voltaram, mas algum, não. Foi o caso do ignoto lá do Rio Perdido, nos últimos anos do ‘800. Os primeiros imigrantes que por lá chegaram e tomaram posse de suas terras, encontraram esse homem desconhecido, algum viajante talvez, morto, ainda com os apetrechos ao seu lado, bem perto do rio, já no terreno do Beppe Corteletti, hoje do neto Zé Luiz. Nas rezas do domingo, o perdido morto era lembrado e o homenagearam, dando ao rio o nome de Rio Perdido. Mais tarde, ainda no Oitocentos, ergueram a primeira capelinha de taipa, dedicada a São Paulo. Assim aquela comunidade é chamada de São Paulo do Rio Perdido, até nossos dias.