Traçado de novas ruas precisa respeitar proteção da Lagoa Encantada e seu entorno
Além da biodiversidade, alagados protegem região de enchentes. Plano de Mobilidade será votado na próxima terça (12).
Wilerman da Silva Lucio
Será votado na reunião da próxima terça-feira (12) do Conselho Municipal da Cidade (CMC) de Vila Velha o texto do decreto que regulamenta a Lei da Política Municipal de Mobilidade e Acessibilidade e aprova o Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade (PlanMob).
A redação teve início em 2019 e envolveu reuniões e assembleias regionais em todo o município, quando a sociedade civil apresentou suas propostas de melhorias.
Na região do Vale Encantado, próximo às rodovias Leste-Oeste, Darly Santos e Lindemberg, a comunidade clama pela mudança no traçado de algumas vias que, no projeto de Decreto, cortam os alagados que circundam a Lagoa Encantada, configurando mais uma grave ameaça ao ecossistema local, sua biodiversidade e sua função reguladora de cheias para toda a região.
Em março passado, dias antes da decretação do estado de calamidade em função da pandemia de Covid-19, o Fórum de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental do Grande Vale Encantado (Desea) alertava para a necessidade de alteração das vias projetadas no local.
Em julho, ao Desea se somaram mais de uma dezena de outras entidades, organizações e movimentos, clamando, em um manifesto, pela implantação do Parque Natural da Lagoa Encantada, recomendado em um diagnóstico ambiental aprovado no início de 2020 pela própria prefeitura.
O estudo técnico propõe dois cenários: um parque natural com 261,63 hectares protegendo a lagoa e seus alagados circundantes, bem como o Morro do Carcará; ou um parque com 137,38 ha na lagoa e uma Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) ao redor do parque, com cerca de 125 ha.
Agora, às vésperas da apreciação do decreto do PlanMob, nada mudou. As unidades de conservação não foram criadas e as vias projetadas para a região continuam oferecendo grave ameaça.
Rio Aribiri
Uma das vias passa por cima do trecho do rio Aribiri que se comunica com a lagoa encantada, destaca o fotógrafo e ambientalista Wilerman da Silva Lúcio, integrante do Fórum Desea. Se for coberta como consta no decreto, a via trará grandes prejuízos ao equilíbrio ambiental local, com o agravante de dificultar o escoamento das águas absorvidas pela lagoa e os alagados em épocas de grandes chuvas, intensificando os problemas de enchentes que castigam Vila Velha com frequência cada vez maior, em função do aquecimento global.
Outra via planejada, expõe o ambientalista, isola o Morro do Carcará dos alagados, o que é outra grave ameaça à sustentabilidade ambiental da lagoa e manguezais, podendo também agravar o problema das enchentes. “O morro é o último remanescente de mata atlântica ombrófila densa da região”, destaca, lembrando que desde 2013 o Carcará vem sofrendo com constantes ataques visando sua descaracterização, como desmatamentos, incêndios criminosos e cortes de terra, todos denunciados aos órgãos ambientais e ao Ministério Público. “Está muito degradado, mas ainda tem uma importância enorme, e pode ser recuperado”, afirma.
Lazer, cultura e geração de renda
Para além da função essencial de regulação das águas, Wilerman chama atenção para a necessária conservação da biodiversidade local, cujos levantamentos já identificaram diversas espécies ameaçadas de extinção, como o jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) e a lontra (Lontra longicaudis), além de dezenas de espécies de aves, que atraem observadores de pássaros de várias partes do Estado e do país, qualificando a Lagoa Encantada como ponto potencial do turismo ecológico e científico.
No Vale Encantado e outros bairros locais, há várias iniciativas culturais e ambientais em curso, voltadas à proteção dos atributos biológicos e geração de renda de forma sustentável. Além do turismo, a criação de abelhas sem ferrão se mostra muito promissora.
A beleza cênica e a importância da região para o lazer e a identidade cultural das comunidades também são defendidas pelos coletivos locais, que defendem a implementação das unidades de conservação e a consideração dessas iniciativas na definição do traçado das novas vias estabelecidas no PlanMob.
Propostas
Entre as entidades que apoiam a luta do Desea e os conselheiros que representam os movimentos no CMC, as propostas para conciliar os objetivos do plano de mobilidade e a conservação da Lagoa Encantada envolvem mudar o traçado de algumas vias.
Uma delas é a que separa o Carcará dos Alagados. Passando pelo outro lado do morro, a distância é semelhante, compara Wilerman. A que passa por cima do rio Aribiri deve ser retirada dali também. “É inaceitável”, assevera. “A não ser que pegue parte do Atacadão, pra minimizar”, propõe, referindo-se a um empreendimento próximo ao Aribiri. Finalmente, as duas vias paralelas projetadas ao norte, no limite dos alagados, poderiam se unir em uma só via, para diminuir o impacto sobre o ecossistema.
Simultaneamente, é necessário implementar o Parque ou o Parque e a ARIE, de forma a ordenar o uso do solo no entorno da lagoa. “Que seja uma ocupação restrita, como está no diagnóstico ambiental, preservando os brejos e alagados, as lagoas e os mirantes”, sublinha.
“É preciso regulamentar logo uma proteção legal para a Lagoa. Vai beneficiar os próprios empresários, trazendo segurança jurídica. Pedimos ao CMC que seja regulamentada a Lagoa Encantada, definida a sua delimitação, pra que possamos, nós, comunidade e empresários, vivermos e trabalharmos com segurança jurídica, ambiental e econômica”, argumenta.